segunda-feira, 19 de novembro de 2007

OPINIÃO

Uma luta diária
Cidadãos de Divinópolis sentem na
pele uma contradição: um transporte público caro e ruim
Por Kennedy Dias
Seis horas da manhã, onze horas, meio dia, duas da tarde, entre as cinco da tarde e as sete da noite - horários que todos os trabalhadores que necessitam do transporte público conhecem muito bem. São horários de muito alvoroço e tumulto na cidade de Divinópolis. O transporte público é insuficiente para as pessoas que necessitam se locomover nas chamadas horas de pico – de entrada e saída do trabalho -, quando os ônibus estão sempre lotados. Na maioria das vezes, fica gente para fora, pois o carro não comporta todos os passageiros, fator que leva as pessoas a chegarem mais tarde e mais estressadas em casa após o termino do expediente.

Com 192 km² de área urbana e aproximadamente 200 mil habitantes, Divinópolis tem o preço de R$1,75 pelo vale-transporte. Na região metropolitana de Belo Horizonte, capital do estado, com seus quase cinco milhões de habitantes, 34 municípios e aproximadamente 9,5 mil km², o preço médio do transporte público é de R$2. Em valores absolutos, a comparação é insignificante e injusta, uma vez que o número de passageiros transportados em uma e outra região pode ser um argumento para os valores tão próximos no preço das passagens do transporte urbano.

Porém, comparativamente às distâncias percorridas e principalmente à qualidade do serviço prestado, que pode ser medido objetivamente em termos de horários, planejamento de itinerários (o que garantiria um serviço mais acessível, interligado e inteligente) e número de ônibus, metrôs e vans circulantes, os valores pagos pelos trabalhadores divinopolitanos parecem absurdos. Os trabalhadores de Divinópolis geralmente utilizam o transporte duas vezes ao dia, o que no final sai por R$ 3,50. Ou seja: considerando as distâncias percorridas pelos divinopolitanos, seria mais barato se eles possuíssem um veículo que tivesse autonomia de cerca de 10 km por litro de gasolina, que na cidade está em média R$2,45. A não ser que a pessoa more muito longe do centro, não gastaria mais de um litro para ir e voltar de carro. Sem contar as motos, que são bem mais econômicas.

Trocando em miúdos: é mais rápido, confortável e barato que cada cidadão de Divinópolis financie uma motocicleta por 72 meses e pague cerca de R$3 por dia pelo financiamento e cerca de R$2,45 para andar perto de 50 km – modelos de 100 cilindradas prometem, e geralmente cumprem, um consumo de combustível bastante pão-duro. Se um trabalhador da cidade percorre 20 km para ir e voltar de seu trabalho, ele gastará, ao dia, cerca de R$4,20 entre financiamento e combustível – sem ter de esperar ônibus lotados e em mau estado de conservação. É possível então concluir algo irônico como: deve haver alguma relação umbilical e perversa entre as empresas de ônibus de Divinópolis e as montadoras de automóveis pequenos. O problema nesse caso seria imaginar a cidade com tantas motos circulando.

Esses fatores – embora lamentáveis, infelizmente corriqueiros - levam a população a se revoltar com o serviço prestado, o que resultou em agressão a um ônibus no início do mês passado: uma pessoa colocou fogo em um carro que fazia a linha do bairro Costa Azul. A imprensa local o tachou de vândalo e agressor, mas, míope, caduca ou mal intencionada como sempre, não lembrou as condições de aperto, alto valor do preço pelo serviço, carros velhos e sujos a que a população se submete ao utilizar o transporte.

Se não se podem comparar de forma absoluta os sistemas de transporte público da metrópole BH e da média cidade Divinópolis, fatores como a qualidade do transporte podem e devem servir como modelo de comparação. Em BH, além de o transporte público ser, relativamente às distâncias percorridas, mais barato, disponibiliza maior número e mais confortáveis carros por linhas. Mesmo se não se fizessem comparações, porém, fica evidente a insatisfação das pessoas com o serviço na Cidade do Divino - basta dar uma voltinha pelos pontos e pelos ônibus de Divinópolis.

O que destoa na comparação entre as cidades? Lá, como aqui, o transporte público é feito por empresas privadas – que, como se sabe, não são (talvez ainda) muito afeitas a prestar um serviço justo, que leve em conta o bem-estar da população. Característica do capitalismo à brasileira: empresas privadas devem lucrar e ponto – e isso significa geralmente prejuízo para a sociedade. Como essa é, lamentavelmente, uma característica do capitalismo no país – com raras e dignas exceções -, é absolutamente necessário que se criem mecanismos estatais para a proteção do bem-comum. Foi o que foi feito em BH, com a BHTrans. Na capital, as empresas precisam seguir uma série de normas para continuar atuando no mercado: preços compatíveis, ônibus minimamente confortáveis, frota nova, número mínimo de ônibus circulantes. Além disso, essa mesma empresa, a BHTrans, vira e mexe, modifica o fluxo de trânsito, cria novas rotas – tudo para a melhoria na qualidade do serviço.

Em Divinópolis, em contrapartida, as (poucas) empresas de ônibus determinam quando, quantos e onde vão colocar seus ônibus. A atuação do poder público se limita a um inimaginável cumprimento de contrato entre a Prefeitura e as empresas de ônibus: nos bairros, enquanto várias ruas não têm qualquer pavimentação, um contrato exige que ruas sejam asfaltadas nas rotas dos ônibus. E quem faz o asfaltamento? A Prefeitura, é claro, com o pobre dinheiro dos contribuintes que, no entanto, continuam vivendo em ruas de terra. Solução para isso? Simples: vendam suas casas e as comprem nas ruas onde passam os ônibus. Tirante esse contrato, que já é bastante surreal, há ainda a obrigatoriedade das rotas: se são aquelas e apenas aquelas as rotas dos ônibus, qualquer mudança é improvável – salvo se a Prefeitura resolver cumprir seu dever e cuidar de toda a população, pavimentando as vias.

O fato é que o transporte público, além de barato (ou seja, acessível ao bolso de todos), tem que ter qualidade, prezar o fator ambiental e respeitar os cidadãos, não sendo tão caro a ponto dos meios individuais serem melhor alternativa. Respeito no sentido de uma senhora, uma mãe com criança de colo, um idoso ou um deficiente não viajarem em pé e espremidos pelas outras pessoas.

A César o que é de César: às empresas, cabe a obrigação de cumprir o dever constitucional de prestar bom serviço público. E ao poder público, cabe a obrigação de zelar pelo bem comum – muito além de lances de marketing, jamais cumpridos porque, talvez, não são próprios para o sistema da cidade. Promessas não cumpridas de campanha, como bilhetagem eletrônica e conexão para duas ou mais linhas (sistema de estações de troca) não são más idéias em si mesmas. O problema é saber se isso é apenas macaquice, apenas desejo de copiar um sistema que é completamente diferente, como é o de BH, onde essas práticas foram adotadas. Comparar os dois sistemas só é possível para criar parâmetros para soluções – mas os problemas são diferentes e portanto suas soluções também serão.

Enquanto isso não acontece, todas as maneiras de pressão em benefício ao bem-estar da população são válidas. É legítimo que a população se revolte e lute com todas as armas pelos direitos mínimos para a cidadania. Enquanto reinar, no Poder Público, a preguiça, a inapetência ou a mania de copiar soluções prontas, e a ganância do lado das empresas, devemos, lamentavelmente, nos acostumar com as cenas de ônibus sendo queimados.

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