segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

A Pública. E o público?

A TV é central na cultura do brasileiro, e uma política para o setor deveria levar em
conta a diversidade da população e o direito de existência pública dos cidadãos
Por Gustavo Mello e Isabella Santos
Uma das principais características apresentadas para uma TV Pública é “enfatizar o compromisso com a sociedade e não com o mercado.” TV Comunitária, Educativa, Comercial, tantos conceitos para um termo que deveria ter somente um: o público.

O que está em jogo na definição é o compromisso com a sociedade: a TV “pública” – mas também as “comerciais”, segundo o artigo 223 da Constituição Federal Brasileira - deveria ser o papel de todo e qualquer meio de comunicação, afinal de contas, as histórias nos inúmeros programas televisivos saem desta esfera: do cotidiano da sociedade. Mas, atualmente, mesmo as TV’s consideradas educativas e culturais são obrigadas a vender espaço em sua grade de programação, para manter suas produções no ar.

A concessão da TVdeveria ser um direito público e quem os toma em grande parte são os políticos, mas será mesmo para o bem público? Vejamos. O Brasil está às vésperas de inaugurar a Rede Pública Brasil de Televisão gerida pelo governo federal, sem o consenso do público, da população, os mais interessados e os principais atingidos. A TV Pública deve oferecer a condição de uma TV mais próxima à população. Principalmente se for local. Como no caso da Candidés, a TV local de Divinópolis, que é gerida por uma fundação ligada a um deputado.

A Fundação Jaime Martins foi instituída em 21 de junho de 1989, pelo então Deputado Estadual Jaime Martins do Espírito Santo, segundo José Silva de Souza, atual diretor financeiro da Fundação. Souza conta também que a Fundação foi criada com objetivos filantrópicos, sociais e culturais e tem duas obras que podem ser destacadas: a TV e uma casa de recuperação.

Em 1995, a Fundação conseguiu a concessão da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel -, datada de 13 de fevereiro de 1995. “Desde então, essa é a TV comunitária de Divinópolis. A única TV especificamente da cidade que está no ar”, explica Souza. A única relação da TV com a Fundação, de acordo com José Luiz, é a administração jurídica e financeira, ou seja, a TV precisava de uma fundação para existir. Ela é só uma mantenedora e não há qualquer lucro que venha da TV.

A TV Candidés é uma geradora local e tem espaços para transmissão de mais de 20 horas de produção da região. Mas, ainda assim, existem alguns programas que seguem a grade da Rede Minas ou da TV Cultura, ligada ao governo de São Paulo. Então esse espaço é diferente de uma TV que é apenas retransmissora. E o que isso significa? Significa que a TV Candidés gera seu sinal. Apesar de retransmitir sinais de outras, ela tem autonomia para ocupar 24 horas de programação. O sinal parte daqui. Diferente de outra TV local, a Rede Integração, por exemplo, que, apesar de ter produções locais, não tem a mesma autonomia - possui espaços limitados para a sua programação, dentro de uma rede maior, que é a Rede Globo.

O SENTIDO DA TV PÚBLICA. Existe muita dificuldade em se conceituar o que seria estatal e público. Grosso modo, uma TV estatal estaria sob o controle do governo – o que demonstra já um vício: o Estado, instituição jurídica para o bem público, deveria funcionar alheia a governos que o ocupam eventualmente. Mas geralmente, confundem-se o governo eventual e o estado. É o que ocorre com os conceitos de TV Pública e Estatal. O serviço de uma TV Pública, ainda que possa receber recursos governamentais, teria de ser livre da gerência estatal e governamental. Cabe ressaltar que os modelos de TV’s conceituadas aqui como Comunitárias e Educativas existiam em vários países com outras denominações - como TV Pública, Alternativa ou Quarteirão.

Segundo um estudo realizado pelo professor Luiz Fernandes Dourado, Titular da Universidade Federal de Goiás - UFG, Doutor em Educação, e pela professora Maria Sylvia Simões Bueno - Assistente-Doutora da Universidade Estadual Paulista - UNESP/Marília, a própria Constituição brasileira, quando trata de público e privado, provoca confusão. O privado é simples porque é a comercial. De acordo com os doutores em educação, “as pessoas acham que a comunicação pública é a que passa o ponto de vista do governo”. Erro primário segundo os professores, pois nenhuma instituição estatal deve promover pontos de vista do governo, que é uma instância administrativa, eleita por critérios políticos. Até mesmo a propaganda paga do governo, quando incorre pontos de vistas partidários, ofende a lei.

Nos países europeus, a TV reflete iniciativas de grupos ou de comunidades que, utilizando-se do acesso à tecnologia de baixo custo, reagiam contra as formas de controle social decorrentes do aparato estatal centralizado, ou então das grandes empresas de comunicações, privadas ou públicas. Devido a essa miscelânea de termos e conceitos cunhados para essas emissoras conhecidas por tantos nomes como educativas, universitárias e comunitárias, que pertencem ao que se denomina de campo público, foi gerado a confusão do termo e do tema complexo que é a TV Pública.

A TV Brasileira, nascida na década 1950, nem sempre foi considerada um bem público e estratégico, diferente do modelo da Rádio Sociedade, criada por Roquete Pinto, pioneiro no sistema de radiodifusão no Brasil. O conceito vislumbrado por Roquete era semelhante ao da Europa na década de 1920 e trouxe uma das características essenciais para um modelo público de rádio e televisão que deveriam ser seguidos. O modelo proposto baseava-se em uma sociedade de amigos, um clube de ouvintes, com uma programação educativa e que propunha pluralidade cultural de boa qualidade, sem concessão ao vulgar. O modelo proibia ainda a venda de espaços comerciais, defendia a manutenção de uma programação de qualidade, ainda que fosse mantida por algum órgão estatal.

Neste ano, no mês de setembro, foi criada, pelo governo federal, a Empresa Brasil Comunicação (EBC), mais conhecida como TV Brasil. A EBC foi criada pela medida provisória 398, e tem o objetivo de produzir e difundir programação informativa, educativa, cultural, científica e de recreação à população.

Segundo notas publicadas no Diário Oficial da União, a TV Brasil terá sede no Rio de Janeiro, escritório central em Brasília e surgirá a partir da união do patrimônio e das equipes da Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobrás) com a Associação de comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que coordena a TVE do Rio.

De acordo com Franklin Martins, ministro da secretaria de Comunicação Social, criada especialmente para levar a cabo o projeto da TV Brasil, a nova empresa vai separar a Comunicação Institucional da Comunicação Pública em dois canais. Os programas, de acordo com o ministro, serão produzidos e transmitidos pelo canal NBR, que já exerce essa função. Já o novo canal será a voz do cidadão e não das autoridades, afirma Martins. A EBC, além de televisão, vai englobar rádio e web, criando o sistema Brasil de Rádio e a internet, que será responsável pela interatividade entre os vários veículos.

O LOCAL E AS TV’S. Divinópolis possui concessão para duas TVs locais: a Alterosa e a Candidés, de acordo com a Anatel. A Alterosa, pertencente ao grupo Associados – aquele, fundado por Assis Chateaubriand, o pioneiro da TV brasileira -, é descrita como TV Minas Centro-Oeste S/C Ltda, retransmissora do Sistema Brasileiro de Televisão – SBT. Já a TV Candidés, gerida pela Fundação Jaime Martins, é geradora de produção própria e repetidora da Rede Minas e TV Cultura.

Humberto Paulo Preihsner Junior, Jornalista e Produtor da TV Candidés, contou sobre a história da TV da cidade, que teve períodos difíceis para a produção local, como, por exemplo, quando o jornal parou de ser transmitido em 1999. “Entre 1998 até o início dos anos 2000, ela ficou só retransmitindo a TVE a TV Cultura, com exceção do programa Esporte Total, uma produção independente de Cléber Faria, um dos mais antigos programas da TV” lembra.

“Não sei se ela pode ser descrita como uma TV Comunitária ou Educativa, porque ela está no entre essas categorias”, raciocina Preihsner. Ele diz que, da mesma maneira que a TV retransmite uma grade de duas emissoras que são educativas, a Candidés ultrapassa essa linha, pois tem um espaço local por ser geradora que permite ter um perfil de comunitária. Sobre a venda de espaços publicitários e de programação, Humberto justifica: “Ela não é comercial, mas todo veículo de comunicação tem que ser viabilizado.”

Este é um dos maiores problemas da TV, que precisa ser financiada de algum modo, sem ferir o regulamento de TV’s Públicas, Educativas ou Comunitárias. Então, qual a saída? Humberto Preihsner explica: “De um tempo para cá, essa diferença, por ela não poder passar qualquer tipo de propaganda, fere um pouco os conceitos de uma TV Educativa. Temos apoios que são encaixados como apoio cultural e não patrocínio. Só que essa diferença entre apoio cultural e patrocínio não é grande”, garante.

A rigor, Humberto tem razão: dizer patrocínio e apoio cultural é quase denominar a propaganda com dois nomes distintos. O patrocínio é mais comercial, vende o produto, enquanto que o apoio mostra o nome como uma “benfeitoria”, sem que venda o produto diretamente.

Preihsner conta ainda que a programação da TV e suas produções são vastas: “A TV Candidés hoje tem entre 16 ou 18 programas locais”, diz. Alguns são produzidos por ela mesma. Esta programação já existe há quatro ou cinco anos e tem também os programas terceirizados, que são a maioria. Grande parte dos programas ao vivo são produção da própria TV. E dentre esses programas ao vivo, há os diários e outros semanais. “Então ela vai abrindo espaço para encaixar todo qualquer tipo de programação”, conta.

O jornalista Evandro Araújo, Editor Responsável pela TV Alterosa em Divinópolis e ex-diretor de jornalismo da Candidés, explica que, no Brasil principalmente, a TV Pública está passando por um momento de transformação. “O processo de televisão no Brasil está passando por um momento muito importante, que vai desde a definição do sistema de transmissão que vai ser adotado (sistema digital,com opção pelo sistema japonês), até o lançamento da TV Brasil pelo governo. Nós temos hoje algumas experiências interessantes de TV’s públicas, que são a TV Cultura e Rede Minas, que eu considero uma das televisões mais bem feitas do Brasil”, declara.

OUTRAS VOZES. Pensando a TV Pública nacional ou estadual, deve-se perceber que sua programação é alternativa em relação ao modelo hegemônico, foge dos padrões comerciais, não visando a venda de produtos, mesmo porque uma TV Pública não pode ter anúncios comerciais, mas sim institucionais. “Grande problema talvez das TVs Educativas ainda seja a audiência. E ai é lugar comum. Toda vez que se discute TV Pública, as pessoas criticam muito a TV Comercial: ‘Ah! mas é a TV Comercial passa sangue, passa mulher pelada, passa novela que incentiva o adultério, o uso de drogas , a homossexualidade . É muito fácil criticar a TV Comercial. Tudo de ruim vem a TV comercial”, discursa Araújo.

Talvez, então, seja o tempo de se propor uma nova forma de se fazer TV. Mas, para a TV ter boa qualidade, ela deve abrir espaço para que o público possa produzir o que for do seu interesse, que é a real característica da TV Comunitária. Será este então o problema da má qualidade das programações na TV? A falta de espaço para a criação do público? “A televisão oferece aquilo que o telespectador quer assistir. A televisão é o espelho da sociedade. Quantas pessoas assistem a TV educativa?” Eis aí uma boa discussão aberta por Evandro: onde estaria o problema? Talvez seja de cunho cultural e educacional, ou mesmo de costume. As pessoas se acostumaram com a má qualidade e parte delas acham normal o tipo de programação, senão não fariam tanto sucesso, não há questionamento.

“Não adianta o Brasil implementar uma TV Pública com a melhor programação do mundo, programação voltada para a área educacional, formadora de caráter, formadora de ética, de cabeças pensantes, se as pessoas não estiverem abertas a assistirem esse tipo de programação. Então, o meu medo é que mais uma vez se crie uma filosofia que se abrir um canal novo com uma série de coisas se não tem audiência, se não tem público”, diz Evandro. E para se concordar. Canais públicos, comunitários e educativos existem, como a TV Senado, TV Assembléia, TV Câmara, TV Justiça, que, claro, são bem direcionados. Quem está assistindo a esses canais é um público muito pequeno, específico, que assiste porque se interessa, porque gosta. É importante que haja possibilidade de vários canais e sobretudo que haja a abertura para a produção do próprio público – em sua diversidade. Só assim fará sentido chamar a TV Brasil de Pública, porque ela será não o espelho, mas a janela por onde o brasileiro se fará enxergar e poderá ser enxergado.

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